Indícios não é uma organização política em torno de um partido, organização ou movimento, embora seus membros tenham diversos compromissos políticos e éticos com a emancipação humana e com as lutas pela vida no mundo atual. Trata-se de uma rede científica, autônoma, cosmopolita, plural, igualitária e transdisciplinar, que reúne pesquisadores, analistas, estudiosos, acadêmicos e ativistas de diferentes países e diferentes áreas do conhecimento, cuja interação visa discutir perspectivas de pesquisa em seminários e conferências, bem como, publicar resultados de pesquisa em edições especiais de periódicos ou em livros coletivos, em inglês, francês, português e espanhol.
Como bem definiu François Dosse, quando dizemos “interdisciplinar”, admitimos um limite, uma barreira territorial muito sutil, que separa os campos de pesquisa e as disciplinas. Na verdade, há apenas um único objeto de estudo para a ciência: processos históricos (individuais, sociais e naturais). Como consequência lógica, e como Marx argumentou, há apenas uma única ciência: a ciência histórica, que se bifurca em história natural e história social. O homem individual não existe, exceto em suas características biológicas e psicológicas pessoais, que permanecem sendo o fruto de sua história natural e social pessoal.
Nesse sentido, as disciplinas nas quais o conhecimento humano é dividido são esforços metodológicos para facilitar as tarefas explicativas dos fenômenos naturais, sociais ou individuais. Mas, não há “território sagrado e proibido”, nem nos objetos das ciências, nem entre eles. Trata-se, portanto, de uma questão de dialética entre o particular e o geral, como unidades nas diferenças. O “cérebro” dos seres vivos se encontra em todos os corpos e não há como separar, na biologia e na fisiologia, onde começa a razão e termina a sensibilidade. Em todos os domínios, mesmo nos mais conscientes, o inconsciente está presente (Spinoza, Nietzsche, Marx, Freud, Ferenczi, Reich etc.). É por isso que partimos epistemologicamente da transdisciplinaridade.
Indícios não é uma rede temática especializada em um tema ou fenômeno específico e exclusivo. Por ser transdisciplinar, sua natureza é cosmopolita e suas linhas de pesquisa vêm amadurecendo, a gramática comum sobre a qual o projeto é construído é metodológica. Nos indícios, pistas, traços, sintomas e sinais que o historiador Carlo Ginzburg propôs no “paradigma indiciário” [1], a Rede encontrou um ponto de confluência flexível, aberto e heurístico (estuda o fato particular) para a decifração da realidade social, bem como, uma possível agenda de trabalho coletivo. Mas sua perspectiva não despreza a hermenêutica. Pelo contrário: a arte da interpretação de textos se estende desde as formas de consciência (que não existe sem o inconsciente) até os processos contextuais, sociais (históricos), onde aparecem os fatos textuais ou sociais. Os escritos são sempre fatos, fenômenos que precisam ser interpretados.
Ao mesmo tempo, Indícios rompe com o paradigma racionalista cartesiano que tem sido o pressuposto do positivismo. Sendo transdisciplinar (Ilya Prigogine, Isabelle Stangers) é adepto da razão sensível (Herbert Marcuse, Erich Fromm, Sándor Ferenczi), como uma alternativa que supera, ao mesmo tempo, o racionalismo estruturalista e o relativismo absoluto (François Dosse, O império dos sentidos. A humanização das ciências humanas, Editora Unesp, 2018). À herança cartesiana racionalista, estruturalista ou relativista, propõe-se aqui o sentir-pensar dos povos originários antigos, dos amazônicos e de seus melhores representantes atuais, como Davi Kopenawa, Ailton Krenak, Daniel Munduruku, mas sem rejeitar os pensadores da cultura ocidental [2].
[1] Carlo Ginzburg, “Prefacio”, “Huellas. Raíces del paradigma indiciario” e “Intervención sobre el ‘paradigma indiciario’”, In Tentativas. Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo, Morelia, 2003, pp. 55, 157-166 e 93-156; “Reflexiones sobre una hipótesis: el paradigma indiciario veinticinco años después”, In Contrahistorias, n. 7 (Dossiê: Retorno al paradigma indiciario), México: set. 2006-fev. 2007, pp. 7-16.
[2] Ailton Krenak, Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo, Cia. Das Letras, 2020. Ailton Krenak, Futuro ancestral. São Paulo, Cia. Das Letras, 2021; Davi Kopenawa e Bruce Albert, A queda do céu. Palavras de um Xamã yanomami. São Paulo, Cia. Das Letras, 2015; Aristote, Éthique à Nicomaque. Paris, Flammarion, 2008; Pierre Fougeyrollas, Contradiction et totalité. Surgissementet déploiement de la dialectique. Paris, Édition de Minuit,1953; Pierre Fougeyrollas, Vers la Nouvelle Pensée. Essai postphilosophique. Paris, Le Harmattan, 1994; Henri Lefebvre, Hegel, Marx, Nietzsche. México, Siglo XXI, 1976; Ernest Bloch, El principio esperanza. Barcelona, Editorial Trotta, 2007; Jean Piaget, Psychologie et Épistémologie. Pour une théorie de la connaissance. Paris, Denoel, 1970; Antonio Damásio, O erro de Descartes. São Paulo, Cia. das Letras,1995; Antonio Damásio, Le sentiment même de soi. Paris, Odile Jacob, 2002; Antonio Damásio, Spinoza avait raison. Paris, Odile Jacob, 2003.
Ver também nossos trabalhos: Jorge Nóvoa, Para a reconstrução do paradigma da história: uma frente da razão? (Marx, Hobsbawm, Weber et alii). In: Jorge Nóvoa (org.), Incontornável Marx. Salvador/São Paulo, EDUFBA/Editora UNESP, 2007; Jorge Nóvoa. Cinematógrafo. Laboratório da razão poética e do “novo” pensamento. In: Jorge Nóvoa, Soleni Biscouto Fressato, Kristian Feigelson. Cinematógrafo. Um olhar sobre a história, Salvador/São Paulo, EDUFBA/Editora UNESP, 2009; Soleni Biscouto Fressato, Cinematógrafo: pastor de almas ou o diabo em pessoa? Ténue limite entre liberdade e alienação pela crítica da Escola de Frankfurt. In: Cinematógrafo, idem. Carlos Alberto Ríos Gordillo, Las formas de la comparación: Marc Bloch y las ciencias humanas. Ensayo de morfología e historia (Col. Pensamiento Crítico/Pensamiento Utópico: 220), UAM-Iztapalapa/Anthropos Editorial, México-Barcelona, 2016; El cielo de la historia: una constelación. (Col. Historia de la Historiografía: 8) Ediciones Prohistoira, Rosario, Argentina, 2023.